A Força de Trabalho no Agro – Mundo Agro | Veja

Mão de obra é hoje o principal desafio estrutural para crescimento do setor

Em minhas andanças pelo Brasil, trabalhando em prol do agro, um dos aspectos que mais me felicita é poder ouvir as pessoas, suas histórias, conquistas e seus desafios. Nos últimos anos, um dos pontos que mais tem me chamado atenção é a questão da força de trabalho, assunto recorrente em todas as regiões do país. Como o agro cresceu muito, em especial nestes últimos cinco anos, sente-se um desafio cada vez maior em encontrar pessoas, tanto em quantidade como em qualidade (adequação) para atender esta demanda crescente.

Para termos uma ideia, apenas nos frigoríficos de aves e suínos, existem atualmente cerca de 20 mil posições em aberto, segundo a Associação Brasileira de Proteínas Animais (ABPA). No campo, faltam operadores de máquinas para plantio, manejo, colheita e outras atividades, tanto nas regiões tradicionais, como nas de fronteira. Há um gargalo também em posições administrativas, gerenciais, de vendas e assistência técnica; nestas posições, a disputa é grande, gerando inflação e elevado “turnover”.

Entre os fatores de produção que levam o agro brasileiro a ser extremamente competitivo no mercado mundial, a mão-de-obra é uma das únicas que deteriorou nos últimos anos. Em muitas fábricas temos os venezuelanos e haitianos “salvando a lavoura”. Uma agravante para este quadro é a política pública assistencialista, que coloca muitas pessoas em programas que desestimulam a busca por uma carteira assinada, muitas vezes contaminada por uma visão “vitimista”. E estas pessoas acabam prestando serviços informais, trazendo riscos a sua integridade e a quem os contrata; colheita de café é um bom exemplo.

O Brasil ainda apresenta um grave problema na força jovem. Como professor universitário há mais de 3 décadas, vejo que estamos diante de uma geração extremamente criativa, conectada e com grande potencial para crescimento, mas que, por outro lado, está focada em uma visão de curto prazo, uma ansiedade para colher resultados sem mesmo terem feito o plantio, o esforço. Aliás, um dado demonstra que dos 50 milhões de brasileiros entre os 15 a 29 anos, 20% (ou 10 milhões) se enquadram na categoria chamada de “nem-nem”: não estudam e não trabalham.

Outro fator que desestimula o trabalho é o assédio do crime no Brasil e a questão da impunidade. Atos como roubar, traficar drogas e outros crimes trazem um retorno financeiro muito superior e imediato a um jovem, sem que ele seja por vezes punido conforme a lei. Traz-se a visão de que “o crime compensa” e o trabalho perde posição como algo ético e virtuoso.

Mas, afinal, quais seriam possíveis soluções para lidar com este problema? Com o objetivo central de termos um choque de mentalidade de trabalho e empreendedorismo no Brasil, seguem algumas contribuições:

  1. Fortalecimento das escolas técnicas, com orientação as demandas do mercado, ou seja, guiadas pelas reais necessidades para desenvolvimento do país. Importante também que, além da formação teórica, sejam estruturados programas para estimular os trabalhos de extensão, afinal, o contato com a prática é um processo de indispensável para o aprendizado (“o artista vai aonde o povo está”).
  2. Reorientação das universidades públicas estaduais/federais direcionadas à demanda, estimulando maior integração com o setor produtivo para a formação alinhada às necessidades latentes.
  3. Proporcionar (leis/regulamentações) e estimular (programas de incentivo) a atuação do setor privado na formação de profissionais, por meio de investimentos em políticas de treinamento, retenção de pessoas e participação nos resultados.
  4. Automação de atividades desgastantes e repetitivas com uso da tecnologia e melhoria das condições de trabalho dos colaboradores (embora esta ação exija conhecimento técnico dos operadores).
  5. Política de estímulo a pessoas que queiram construir uma vida digna em regiões de fronteiras de desenvolvimento, onde falta força de trabalho. Poderia haver um programa para conectar oportunidades com a busca pelo trabalho. Seria uma boa opção para pessoas que desejam deixar regiões de periferias violentas nos grandes centros urbanos.
  6. Revisão das políticas assistencialistas: inverter a lógica atual poderia ser um bom caminho. Ao invés de o cidadão perder a bolsa com o início de um trabalho formal, o programa poderia oferecer bônus ou aumentos, remunerando de forma adicional quem merece, ao passo em que continua apoiando (até certo ponto) as pessoas que necessitam do apoio.
  7. Políticas de imigração criativa, atraindo força de trabalho capacitada de países vizinhos, onde as condições de vida estão se deteriorando.
  8. Uma revisão completa da política de segurança pública no Brasil. Não apenas por esta questão do trabalho, mas pelo custo social/familiar para a economia brasileira.

Em todos os pontos de contato com o trabalho, o “mindset” precisa mudar para uma visão de empreendedorismo e geração de valor (soluções para problemas). Não se pode esquecer da importância de que este processo crie oportunidades as pessoas, afinal, desta forma, as pessoas se transformam, mudam de vida e podem contribuir para mudar a vida de outras pessoas, gerando um ciclo que cria oportunidades e melhores condições a humanidade.

Fica claro que, apesar de ser um desafio crescente para o agro, o problema relacionado a força de trabalho é algo amplo e que merece esforço em prol de toda a sociedade brasileira.

Marcos Fava Neves é professor Titular (em tempo parcial) das Faculdades de Administração da USP (Ribeirão Preto – SP) da FGV (São Paulo – SP) e fundador da Harven Agribusiness School (Ribeirão Preto – SP). É especialista em Planejamento Estratégico do Agronegócio. Confira textos e outros materiais em harvenschool.com e veja os vídeos no Youtube (Marcos Fava Neves).

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