Queda nos Preços do Açúcar e do Petróleo Pressionam Valor do ATR
Reflexões dos fatos e números do agro em agosto/setembro e o que acompanhar em outubro
Prof. Dr. Marcos Fava Neves, Vinicius Cambaúva, Beatriz Papa Casagrande e Rafael Barros Rosalino
Na cana, as usinas do Centro-Sul processaram 404 mi de t no acumulado da safra 2025/2026 até 1º de setembro, um volume inferior ao registrado no ciclo anterior (424,2 mi de t), resultando em uma retração de 4,8%, segundo dados da Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar). Em relação a qualidade da matéria-prima, o ATR (Açúcares Totais Recuperáveis) acumulado da temporada atingiu 131,76 kg/t (-4,2%).
O mix de produção destinado ao açúcar foi de 52,76% (era 49,09% na mesma posição da safra anterior), enquanto para o etanol foi de 47,24% (era 50,91%), refletindo ajustes estratégicos em resposta à qualidade da matéria-prima e à capacidade operacional das usinas.
Já a produtividade agrícola média foi de 79,3 t/ha de abril a agosto, uma queda de 8%, de acordo com o CTC (Centro de Tecnologia Canavieira). Combinada à redução no ATR, essa baixa resultou em um recuo de 12% no TAH (t de ATR por ha), prejudicando a eficiência produtiva. As causas apontadas incluem estresse hídrico em algumas regiões, envelhecimento de parte dos canaviais, e possíveis efeitos climáticos desfavoráveis, que comprometem o vigor das plantas e a eficiência da colheita. Essa queda tem impactos importantes: reduz a oferta de matéria-prima para usinas, pressiona custos de produção e pode afetar a competitividade do etanol e do açúcar brasileiros no mercado interno e externo.
No açúcar, a fabricação somou 26,8 mi de t no acumulado desde o início da safra, queda de 1,9% (ou 523,9 mil t), em relação ao mesmo período do ciclo anterior. Olhando para a exportação, o volume dos embarques chegou a 3,7 mi de t (-4,5%), gerando uma receita de US$ 1,5 bilhão (-16,1%). Assim, o preço médio ficou em R$ 401,9 (-12,2%). Mesmo com aumento nos embarques para Nigéria (+219,7%) e China (+20,3%), a queda veio dos Emirados Árabes Unidos, Malásia, Argélia, Marrocos e Estados Unidos.
Os futuros do açúcar bruto negociados na ICE (International Clearing House) voltam a registrar queda e o preço em Nova Iorque está se aproximando de um “piso”, isto é, níveis de valor estimados como limites inferiores abaixo dos quais não se justifica economicamente continuar produzindo açúcar, devido a expectativas positivas em relação às safras asiáticas, que sinalizam oferta mais abundante. Em resposta, algumas usinas estão considerando mudar o mix de produção, reduzindo a proporção de açúcar e aumentando de subprodutos ou coprodutos que sejam mais rentáveis no novo cenário de preços. O cenário favorável de produção em países como Índia, Tailândia e Indonésia tem pressionado os preços para baixo, contrariando movimentos mais otimistas que vinham mantendo os contratos mais elevados.
Em Nova Iorque, o contrato do açúcar para out/25 fechou em 15,25 centavos de dólar por libra-peso em 22/09 (queda mensal de 8%). Já o contrato de mar/26 ficou em 15,91 cent/lb (-7,9%). Enquanto isso, no mercado interno, o açúcar cristal branco (base Cepea/Esalq) em São Paulo estava cotado em R$ 119,70/sc (50 kg), retração de 0,3% em relação ao mês passado.
No etanol, a produção acumulada soma 18,5 bilhões de litros (-10%), sendo 11,6 bilhões de hidratado (-11,6%) e 6,9 bilhões de anidro (-7,4%). Desde o início do ciclo, a produção acumulada do etanol proveniente do milho atingiu 3,7 bilhões de litros, crescimento de 19,8%, de acordo com dados também da Unica.
Em agosto, as vendas de etanol somaram 2,9 bilhões de litros. As comercializações do anidro foram de 1,2 bilhão de litros (+1,7%) e do hidratado totalizaram 1,8 bilhão de litros (-10,4%). No mercado interno, o etanol hidratado somou 1,7 bilhão de litros (-8,4%), enquanto o anidro atingiu 1,1 bilhão de litros (+6,9%). No acumulado da safra até 1º de setembro, as vendas totalizam 14,4 bilhões de litros (-3,4%), sendo 9,1 bilhões de hidratado (-6,3%) e 5,3 bilhões de anidro (+2,0%).
Até 15/09, foram emitidos 29,8 mi de Créditos de Descarbonização (CBios). A quantidade total de créditos disponíveis para negociação soma 33,5 mi. Segundo a Unica, já foram garantidos aproximadamente 94% dos CBios necessários para o cumprimento da meta de 2025, considerando o saldo devedor acumulado de anos anteriores e os ajustes de contratos de longo prazo.
Um estudo da Boston Consulting Group (BCG) projeta que o Brasil pode atrair US$ 90 bilhões em investimentos até 2050 para se tornar um dos principais fornecedores globais de biocombustíveis marítimos, como etanol e biodiesel. O relatório indica que o país poderia suprir 15% da demanda mundial e evitar a emissão de cerca de 170 mi de t de CO₂/ano, apoiado em vantagens competitivas como disponibilidade de terras degradadas para cultivo, experiência agrícola e industrial e custos de descarbonização mais baixos. Para que esse potencial se concretize, o BCG destaca a necessidade de políticas públicas, marcos regulatórios claros e incentivos, além do desenvolvimento de tecnologias navais que viabilizem o uso dos combustíveis em larga escala.
No informativo de etanol divulgado pela SCA Brasil no dia 26/09, os preços do biocombustível estavam em R$ 3,36/l para o hidratado (mesmo valor registrado há uma semana) e em R$ 3,36/l para o anidro (baixa de 0,6% no comparativo semanal), considerando a praça de Ribeirão Preto (SP) e já incluindo os impostos.
Valor do ATR: com o assunto ainda em discussão, não houve atualização para os preços do Açúcar Total Recuperável (ATR) pelo Consecana. A safra 2024/25 fechou mar/2025 com valor mensal de R$ 1,2478/kg e o acumulado em R$ 1,1926/kg. Ainda permanece o impasse na definição da nova metodologia para quantificação dos preços entre a Unica e a Orplana. Enquanto torcemos pela conciliação, nossa expectativa é de que o ATR feche a safra ao redor de R$ 1,15/kg com esta queda recente dos preços do açúcar.
Para concluir, os cinco principais fatos para acompanhar em outubro na cadeia da cana:
- Acompanhar o andamento do clima. A primavera chega com um cenário de incertezas por causa da possibilidade de retorno do fenômeno La Niña a partir de outubro. Com isso, a condição da estação deve ser de menos umidade com chuvas mais irregulares, interferindo na cana para 2026/27.
- Ficar de olho em ajustes no mix de produção diante da queda de preços do açúcar. Por enquanto, o mix açucareiro está em 52,76%, maior que o da safra anterior, mas o recuo dos preços em Nova York para níveis próximos do “piso” pode levar as usinas a reverem essa estratégia. O foco será entender se a alta participação do açúcar se mantém ou começa a ceder espaço para etanol ou coprodutos.
- No açúcar, monitorar a pressão do mercado internacional e safras asiáticas. As exportações brasileiras acumulam queda (-4,5% em volume e -16,1% em receita), enquanto Índia, Tailândia e Indonésia indicam safras maiores, reforçando a expectativa de oferta abundante no mercado global. Esse quadro tem pressionado os preços do açúcar para baixo e pode provocar novas revisões nas projeções de produção brasileira ou nos contratos futuros.
- No etanol, a produção acumula queda de 10%, mas a demanda de anidro segue firme (+2% nas vendas), impulsionada pelo aumento da mistura obrigatória (E30). Por outro lado, o etanol de milho cresce (+19,8%), com importante papel para suprir o mercado. É preciso monitorar as vendas e participações de mercado.
- Observar os preços do petróleo, pressionados por preocupações com perspectivas econômicas e os conflitos globais. O barril Brent estava em US$ 66,7 ao fechar esta coluna, pressionando os preços da gasolina para baixo e os do etanol, e contribuindo para um menor valor do ATR.
Marcos Fava Neves é professor Titular (em tempo parcial) da Faculdade de Administração da USP (Ribeirão Preto – SP) e da Harven Agribusiness School (Ribeirão Preto – SP). Sócio da Markestrat Group. É especialista em Planejamento Estratégico do Agronegócio. Confira textos e outros materiais em DoutorAgro.com e veja os vídeos no Youtube (Marcos Fava Neves).
Vinícius Cambaúva é associado na Markestrat Group e professor na Harven Agribusiness School, em Ribeirão Preto – SP. Engenheiro Agrônomo pela FCAV/UNESP, mestre e doutorando em Administração pela FEA-RP/USP. É especialista em comunicação estratégica no agro.
Beatriz Papa Casagrande é associada na Markestrat Group, engenheira agrônoma pela ESALQ/USP e mestra em Administração na FEA-RP/USP. É especialista em inteligência de mercado para o agronegócio.
Rafael Barros Rosalino é consultor na Markestrat Group, médico veterinário pela FCAV/UNESP. É especialista em inteligência de mercado para o agronegócio.