Oferta em Alta e Demanda Enfraquecida Derrubam Preços do Açúcar
Reflexões dos fatos e números do agro em outubro/novembro e o que acompanhar em dezembro
Prof. Dr. Marcos Fava Neves, Vinicius Cambaúva, Beatriz Papa Casagrande e Rafael Barros Rosalino
Na cana, no acumulado da safra 2025/26 até 01/11, a moagem atingiu 556,0 milhões de t, o que representa uma retração de 1,9% em comparação às 567,2 milhões de t processadas no mesmo período do ciclo anterior, segundo dados da UNICA (União da Indústria de Cana-de-Açúcar).
Na segunda quinzena de outubro, operaram 242 unidades na região Centro-Sul (eram 251 no mesmo período da safra passada), sendo 222 com processamento de cana, 10 voltadas à produção de etanol de milho e 10 usinas flex. Nos últimos quinze dias de outubro, 54 unidades encerraram as atividades, totalizando 74 usinas com safra finalizada desde o início do ciclo, contra 40 no mesmo período do ano anterior. A entidade estima que, até a 1ª quinzena de novembro, mais de 120 empresas já terão concluído a moagem no Centro-Sul.
A qualidade da matéria-prima registrou ATR (Açúcares Totais Recuperáveis) de 151,56 kg/t na 2ª quinzena de outubro. No acumulado da safra 2025/26, o ATR médio foi de 138,32 kg/t, indicando uma redução de 3,1% em relação ao mesmo ponto do ciclo anterior. O Boletim do CTC indica que, em outubro, a produtividade média da cana no Centro-Sul cresceu 4,3% frente à safra anterior (64,6 t/ha), e o ATR subiu 0,9%, mas o desempenho acumulado de abril a outubro segue inferior: a produtividade recuou 5,1% (75,7 t/ha) e a qualidade da cana caiu 1,5%, evidenciando o cenário pontual de melhora, porém com resultado geral ainda abaixo do ciclo passado.
No açúcar, a produção acumulada desde o início da safra até 01/11 alcançou 38,1 milhões de t. O mix de produção destinado ao açúcar recuou dois pontos percentuais na última metade de outubro, de 48,28% para 46,02%, refletindo maior direcionamento da cana para a fabricação de etanol. De acordo com a UNICA, a redução foi observada até mesmo em polos açucareiros importantes, como São Carlos, São José do Rio Preto e Piracicaba, onde a proporção da matéria-prima destinada ao adoçante caiu entre 4 e 7 pontos percentuais.
Nas exportações, o açúcar de cana em bruto registrou recorde de volume (3,6 mi t | +6,8%) e US$ 1,4 bilhão exportado (-11,6%), influenciado pela maior oferta global e queda de 17,2% nos preços.
As projeções para o mercado global de açúcar em 2025/26 mostram um cenário de excedente moderado. Enquanto a Datagro revisou para baixo sua estimativa, de 2,8 milhões para apenas 1 milhão de t, devido à menor produção no Brasil e na Índia e ao maior direcionamento da cana para etanol, a Organização Internacional do Açúcar (ISO) projeta um excedente maior, de 1,6 milhão de t, sustentado pelo aumento da produção na Ásia (Índia, Tailândia e Paquistão).
O mercado global de açúcar segue pressionado por fundamentos baixistas. Os contratos atingiram mínimas de cinco anos, sustentados por expectativas de superávit em 2025/26 graças à oferta robusta no Brasil, Índia e Tailândia, mesmo com ajustes regionais de mix e clima. Esse cenário já afeta produtores brasileiros, que avaliam reduzir ou não renovar áreas de plantio diante da projeção de uma “safra terrível” em 2026/27 e do fraco suporte do etanol, pressionado pelo avanço do etanol de originado do milho.
A Índia sinaliza medidas para aliviar o setor açucareiro pressionado por altos estoques e preços baixos, elevando o preço mínimo do açúcar e o valor pago pelo etanol adquirido para mistura na gasolina. Esses ajustes foram defendidos por usinas que enfrentam custos crescentes da cana e dificuldade de pagamento aos produtores. Ao mesmo tempo, a produção ganhou forte ritmo na nova temporada 2025/26, com alta de 48% no início da safra e expectativa de 31,5 milhões de t de açúcar, mesmo após o desvio para etanol. Com oferta abundante e consumo interno estável, o país já autorizou 1,5 milhão de t para exportação e pode ampliar os embarques para até 2,5 milhões de t.
Em Nova Iorque, o contrato do açúcar para mar/26 ficou em 14,90 cent/lb (-1,0%). Enquanto isso, no mercado interno, o açúcar cristal branco (base Cepea/Esalq) em São Paulo estava cotado em R$ 108,50/sc (50 kg), queda de 4,5% em relação ao mês passado.
No etanol, a produção acumulada totaliza 26,9 bilhões de litros (-6,9%), sendo 16,8 bilhões de hidratado (-9,2%) e 10,2 bilhões de anidro (-2,9%). O volume produzido a partir do milho alcançou 5,3 bilhões de litros, crescimento de 16,7% em relação ao mesmo período do ano passado, de acordo com a UNICA.
No mês de outubro, as vendas de etanol totalizaram 3,0 bilhões de litros, sendo 1,2 bilhão de litros (+6,2%) de anidro, enquanto o de hidratado somou 1,9 bilhão de litros (-5,2%). No acumulado da safra até o final de outubro, as vendas totalizam 20,6 bilhões de litros, sendo 12,8 bilhões de hidratado (-5,4%) e 7,7 bilhões de anidro (+4,7%).
Até 12 de novembro, foram emitidos 35,8 milhões de Créditos de Descarbonização (CBios). Do total, 30,5 milhões de créditos estavam disponíveis para negociação. A UNICA informa que, somando os CBios disponíveis e os já aposentados, o mercado já alcançou cerca de 106% da meta de descarbonização exigida para 2025, incluindo ajustes de metas anteriores e contratos de longo prazo, o que garante oferta suficiente para o cumprimento das obrigações atuais e passadas. Para 2026, o Itaú BBA projeta geração de 44,7 milhões de CBios (+6,6% frente a 2025), mas ainda ligeiramente abaixo da meta líquida de 45,1 milhões, diferença que deve ser coberta pelos estoques remanescentes de 2025 (16,4 milhões).
A expansão das fontes renováveis tem potencial para transformar a economia brasileira: segundo estudo do Itaú Unibanco e FGV, a transição para baixo carbono pode adicionar R$ 337 bilhões a R$ 465 bilhões ao PIB até 2035, mobilizar R$ 295 bilhões em investimentos e gerar até 1,9 milhão de empregos, impulsionada por energia solar, eólica, biomassa, biocombustíveis e sistemas agropecuários integrados. O relatório reforça o protagonismo do Brasil na agenda climática global e abre oportunidades para o agronegócio, único setor capaz de atingir emissões líquidas zero dentro do próprio sistema produtivo.
A Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) avaliou a participação do agronegócio brasileiro na COP30, afirmando que as ações e cases apresentados reforçaram ao mundo o avanço do país em produzir alimentos, fibras e bioenergia de forma sustentável, com baixa emissão de carbono e forte uso de ciência e tecnologia. Os resultados da conferência ajudaram a evidenciar a alta produtividade e a eficiência ambiental do campo brasileiro, contribuindo para desfazer percepções distorcidas sobre o setor. A conferência avançou em pontos como a definição inicial de indicadores de adaptação, o chamado para triplicar o financiamento climático até 2035 e o reconhecimento histórico do papel dos povos indígenas na mitigação.
No informativo de etanol divulgado pela SCA Brasil no dia 27/11, os preços do biocombustível estavam em R$ 3,49/l para o hidratado e em R$ 3,47/l para o anidro (ambos em manutenção), considerando a praça de Ribeirão Preto (SP) e já incluindo os impostos.
Valor do ATR: com o assunto ainda em discussão, não houve atualização para os preços do Açúcar Total Recuperável (ATR) pelo Consecana. Nossa expectativa é de que o ATR feche a safra atual ao redor de R$ 1,10-1,15/kg, com esta queda recente no etanol.
Para concluir, os cinco principais fatos para acompanhar em dezembro na cadeia da cana:
- Encerramento das atividades das usinas no Centro-Sul, com possível intensificação das quedas de ATR e produtividade acumulada. Com mais de 120 unidades previstas para encerrar a moagem até meados de novembro, dezembro tende a consolidar um ciclo marcado por produtividade acumulada menor (-5,1%) e ATR ainda pressionado (-1,5%), apesar da melhora pontual de outubro.
- Proporção do mix para o etanol e os sinais de desinvestimento dos produtores para 2026/27. A queda do mix para o açúcar e os relatos de produtores cogitando reduzir áreas devido aos baixos preços do açúcar e do etanol tornam esse momento decisivo para avaliar expectativas da próxima safra. Vale observar se as usinas manterão o mix ou intensificarão o foco no etanol no fechamento da safra.
- Monitorar o mercado internacional tendo em vista o superávit global. Com o açúcar bruto operando nas mínimas de cinco anos e projeções internacionais indicando superávit global entre 1,0 e 1,6 milhão t, o mercado seguirá atento à aceleração da produção indiana (+48% no início da safra, expectativa de 31,5 mi t) e à possível elevação do preço mínimo interno pelo governo, medidas que podem aumentar a competitividade das exportações indianas.
- Manter no radar a possível pressão sobre preços de combustíveis. Os preços do petróleo têm se mantido em queda e voláteis, com o Brent girando na casa de US$ 62–64 e o WTI em torno de US$ 58–60 por barril, pressionados pelo avanço de negociações lideradas pelos EUA para um possível acordo de paz entre Rússia e Ucrânia, o que reduziria o risco de oferta e poderia liberar mais petróleo russo ao mercado; somado ao temor de excesso de oferta, já que a produção global está em níveis recordes e tanto Opep quanto AIE projetam que a oferta supere a demanda em 2025 e 2026.
- Atenção para a agenda climática pós-COP30 e oportunidades de investimento verde para o setor sucroenergéticoO ponto crítico é acompanhar como o país se posicionará para captar investimentos em bioenergia, biocombustíveis e sistemas integrados, reforçando seu papel como setor capaz de atingir emissões líquidas zero.
Marcos Fava Neves é professor Titular (em tempo parcial) da Faculdade de Administração da USP (Ribeirão Preto – SP) e da Harven Agribusiness School (Ribeirão Preto – SP). Sócio da Markestrat Group. É especialista em Planejamento Estratégico do Agronegócio. Confira textos e outros materiais em DoutorAgro.com e veja os vídeos no Youtube (Marcos Fava Neves).
Vinícius Cambaúva é associado na Markestrat Group e professor na Harven Agribusiness School, em Ribeirão Preto – SP. Engenheiro Agrônomo pela FCAV/UNESP, mestre e doutorando em Administração pela FEA-RP/USP. É especialista em comunicação estratégica no agro.
Beatriz Papa Casagrande é associada na Markestrat Group, engenheira agrônoma pela ESALQ/USP e mestra em Administração na FEA-RP/USP. É especialista em inteligência de mercado para o agronegócio.
Rafael Barros Rosalino é consultor na Markestrat Group, médico veterinário pela FCAV/UNESP. É especialista em inteligência de mercado para o agronegócio.
