Desempenho da Moagem de Cana 10% Acima
Reflexões dos fatos e números da cana em agosto e o que acompanhar em setembro
Prof. Dr. Marcos Fava Neves, Vinicius Cambaúva e Beatriz Papa Casagrande
Na cana, a moagem da matéria-prima no acumulado da safra 2023/24 alcançou 311,32 milhões de t na região Centro-Sul até o dia 1° de agosto. É um valor 9,7% maior ao registrado há um ano (283,68 milhões de t), de acordo com informações da União da Indústria da Cana-de-açúcar e Bioenergia (Unica). Já em relação ao nível de Açúcar Total Recuperável (ATR) da cana, o indicador foi de 144,02 kg por t na 2ª quinzena de julho, contra 148,19 kg por t na safra 22/23 (-2,81%). E no acumulado da safra, a variação também foi negativa, com 132,89 kg de ATR por t (-0,47%).
A produtividade dos canaviais registrou um aumento anual de 19% na comparação entre os acumulados de abril até junho. Passando de 75,2 t/ha no último ciclo, para 91,6 t/ha na temporada atual. Isso se deve à influência positiva de um volume significativo de chuvas e à colheita da maior parte das áreas entre os primeiros e terceiros cortes.
Por sua vez, o mix de produção desde o início do ciclo está em 48,62% para o açúcar e 51,38% para o etanol, com o adoçante ganhando quase 4% de participação sobre o biocombustível em relação a 2022/23 (quando era 44,34% destinado ao açúcar e 55,66% ao etanol). Na última quinzena de julho o mix foi, pela segunda vez consecutiva, maior para o adoçante (50,65%) do que para o biocombustível (49,35%).
Em nível nacional, a Conab divulgou a 2ª estimativa para a safra de cana-de-açúcar em 2023/24. Segundo a entidade, a produção deve fechar em 652,95 milhões de t (+ 6,9%), em uma área de 8,29 milhões de hectares (- 0,1%) e com produtividade de 78,78 t por hectare (+ 7,0%).
O mercado de Créditos de Descarbonização (CBios) até o dia 08 de agosto indica 19,44 milhões de títulos obtidos em 2023, tendo a parte obrigada no programa RenovaBio adquirido 53,32 milhões de créditos de descarbonização até o momento, de acordo com dados da B3.
A Raízen registrou queda de 51,5% no lucro do 1º trimestre de 2023/24, com R$ 527 milhões, mesmo com alta de 1,5% na moagem de cana-de-açúcar no período. Já o Ebitda da companha ficou em R$ 3,27 bilhões, queda de 10,6%, e a receita líquida em R$ 48,82 bilhões, retração de 26,3%. Com mix de produção mais voltado ao açúcar (52%), a produção do adoçante pela companhia cresceu 12,8% no trimestre, totalizando 1,6 milhão de t, enquanto a de etanol somou 944 milhões de litros, redução de 6,4%.
Já a São Martinho registrou lucro líquido de R$ 124,7 milhões no 1º trimestre da safra 2023/24, queda de 45,0%. Entre abril e junho, o grupo processou 7,6 milhões de t de cana, 2,8% a menos do que o mesmo período do ciclo passado, por conta da redução dos dias uteis de colheita neste ano, em detrimento das chuvas. A empresa produziu 423,4 mil t de açúcar (+ 1,9%) e 298,8 milhões de litros de etanol de cana (- 8,2%) até aqui.
No açúcar, a produção acumulada desde o 1° de abril até 1° de agosto deste ano somou 19,17 milhões de t, 19,8% a mais do que na mesma data do ano passado (16,00 milhões de t), segundo a Unica. Só nas últimas 2 semanas de julho, o volume produzido foi de 3,68 milhões de t (contra 3,31 milhões de t em 2022/23, ou 11,3% acima).
Já as exportações do adoçante foram de 2,93 milhões de t em julho, alta de 2,3% no comparativo com o mesmo mês do ano passado (2,86 mi de t). As receitas mensais somaram US$ 1,47 bilhão, contra US$ 1,14 em julho passado, ou seja, cresceram 28,9%. Com isso, preço médio da tonelada embarcada ficou em US$ 503,30 por tonelada; é a primeira vez que ultrapassa os US$ 500 desde novembro de 2012. No acumulado de 2023, o Brasil já enviou 14,16 milhões de t de açúcar ao exterior (+ 12,6%), o que trouxe US$ 6,78 bilhões em movimentações (+ 37,5%). Os dados são do Ministério de Agricultura e Pecuária (Mapa).
As negociações futuras de açúcar estão registrando quedas relevantes nos últimos dias, em vista da redução na demanda da China (que importou apenas 110 mil t em julho; 60,5% a menos) e do otimismo em relação a safra brasileira. O contrato de outubro/2023 ficou cotado em 23,40 centavos de dólar por libra-peso no último dia 21 de agosto (há um mês estava em 24,32 cts/lp). Em Londres, a tonelada do açúcar estava cotada em US$ 681,50. Já no Brasil, o preço do cristal (Cepea/Esalq) estava em R$ 135,51/sc (50kg).
A Organização Mundial do Açúcar (OIA) projetou um superavit de 852 mil t para a safra 2022/23 de açúcar. Já o ciclo 2023/24, a organização estima um déficit de 2,12 milhões de t, com a produção em torno de 174,8 milhões de t (frente os 177,0 milhões de t na temporada anterior) e o consumo em 176,96 milhões de t (+0,24%). A entidade afirma que o Brasil desempenha um papel essencial no comércio mundial de açúcar, porém questões relacionadas à logística impactam a distribuição da mercadoria.
No etanol, a produção do biocombustível alcançou 14,40 bilhões de litros desde o começo do atual ciclo até o final de julho, alta de 5,1%. Desse total, 8,30 bilhões de litros correspondem ao hidratado (-2,6%) e 6,10 bilhões do anidro (+17,9%). O etanol de milho representa 1,95 bilhão de litros, um avanço anual de 47,2% em relação ao mesmo período do ano anterior. Dados também são da Unica.
Já as vendas do etanol totalizaram 9,59 bilhões de litros, um ligeiro aumento de 0,5% ante o comercializado em 2022/23. Só no mês de julho, as vendas foram de 2,53 bilhões de litros (+1,32%). Desse volume, o anidro representa 1,21 bilhão de litros, com avanço de 15,6%, e o hidratado participou com 1,31 bilhão de litros, uma queda de 9,0%.
Apesar da retração no hidratado, devido a menor demanda doméstica, a exportação se mostrou uma boa saída para esse produto. Houve um incremento de 191% nas vendas externas desse tipo de combustível no último mês (105,8 milhões de litros). No total das exportações, a variação positiva foi de 93,4%, somando 290,68 milhões de litros vendidos internacionalmente.
A Petrobrás anunciou reajuste nos preços da gasolina (+16,3% ou R$ 0,41/l) e do diesel (+ 25,8% ou R$ 0,78/l). O aumento dos preços do petróleo no exterior atrelado a valorização do dólar fez com que o reequilíbrio com o mercado fosse necessário.
A Inpasa anunciou investimento de R$ 1,2 bilhão para construção de uma nova unidade produtora de etanol de milho no município de Sidrolândia (MS). A planta, que deverá estar em operação no 2º trimestre de 2024, também terá capacidade para processar o sorgo como matéria-prima. Atualmente, a Inpasa produz 3,5 bilhões de litros de etanol e processa 7,5 milhões de t de milho ao ano.
A Raízen conquistou uma certificação da Organização Internacional de Aviação Civil, tornando-se a primeira produtora de etanol reconhecida para a produção de combustível sustentável de aviação (SAF em inglês), um passo importante no esforço para reduzir as emissões de gases de efeito estufa nesse setor. A empresa vê o SAF como uma alternativa promissora, capaz de diminuir em até 80% as emissões em comparação com a versão fóssil. Além disso, a demanda por esse combustível deve alcançar 20 bilhões de litros até 2030, gerando uma demanda adicional de 9 bilhões de litros de etanol nos próximos anos.
E finalizamos a análise do etanol com o preço da SCA Etanol do Brasil em 21 de agosto: R$ 2,700/l para o hidratado e R$ 2,600/l para o anidro, ambos em Ribeirão Preto (SP) e com impostos.
Para concluir, os cinco principais fatos para acompanhar em setembro na cadeia da cana:
- Impactos do El Niño sobre as lavouras de cana na região Centro-Sul do Brasil. Nas últimas semanas, as chuvas voltaram a regiões produtoras, o que tem elevado a quantidade de água nas plantas, reduzindo a concentração de ATR. Vamos acompanhar os impactos na produtividade e qualidade da matéria-prima, bem como as previsões do clima para as próximas semanas.
- No mercado internacional, vale olhar para o comportamento dos preços do petróleo, que voltaram a cair nos últimos dias (em 16/08, o WTI/Crude foi a US$ 79,38/barril) com as notícias de desaceleração na economia chinesa.
- Comportamento de consumo dos combustíveis no mercado interno. As vendas de anidro seguem crescendo, enquanto o hidratado registra baixas (se sustentando via exportações). Por outro lado, após o reajuste no preço de venda para as distribuidoras na gasolina e no diesel, feito pela Petrobras, o comércio de etanol nos postos tem desempenhado melhor nos últimos dias.
- No açúcar, atentar aos preços nas principais bolsas mundiais. Com a nova previsão de déficit global, as negociações do contrato de outubro/2023 fecharam em 24,30 centavos de dólar por libra-peso. Vamos ver por quanto tempo se mantém a estes níveis elevados, bem como os impactos no mix das usinas.
- Por fim, ficar de olho no câmbio, que mais uma vez se aproximou dos R$ 5. Analisar as variações e os possíveis impactos na comercialização de açúcar, etanol, bem como nos custos de produção.
Valor do ATR: o preço do Açucar Total Recuperável (ATR) fechou junho com média de R$ 1,2223/kg, alta de 2,3% na comparação com maio; ou 0,28 centavo a mais. Recordando o histórico do ciclo 2023/24: abril, iniciamos com R$ 1,2129/kg; em maio caiu para R$ 1,1943/kg; e agora em junho com R$ 1,2223/kg. Com o resultado do último mês, o acumulado está em R$ 1,2126/kg. Seguimos com nossa opinião de que o ATR deve encerrar 2023/24 entre R$ 1,20 e 1,23kg. Vamos seguir avaliando.
Marcos Fava Neves é professor Titular (em tempo parcial) das Faculdades de Administração da USP (Ribeirão Preto – SP) da FGV (São Paulo – SP) e da Harven Agribusiness Scholl (Ribeirão Preto – SP). É especialista em Planejamento Estratégico do Agronegócio. Confira textos e outros materiais em DoutorAgro.com e veja os vídeos no Youtube (Marcos Fava Neves).
Vinícius Cambaúva é associado na Markestrat Group, mestrando em Administração pela FEA-RP/USP e Instrutor “In Company” na Harven Agribusiness School. É especialista em comunicação estratégica no agro.
Beatriz Papa Casagrande é consultora na Markestrat Group, aluna de mestrado em Administração de Organizações na FEA-RP/USP e especialista em inteligência de mercado para o agronegócio.