Safra Fecha Com Quase 20% a Mais de Produção de Cana
Reflexões dos fatos e números da cana em dezembro/janeiro e o que acompanhar em fevereiro
Prof. Dr. Marcos Fava Neves, Vinicius Cambaúva e Beatriz Papa Casagrande
Na cana, em dez/2023, a moagem bateu novo recorde: 24,1 milhões de t, quase 3 vezes maior do que dez/2022. 70,0% do volume foi processado no estado de São Paulo. Ao término de 2023, a maior parte das usinas concluíram as operações. A safra 2023/24 registra um acumulado de 644,1 milhões de t, um avanço de 18,8% frente ao último ciclo (542,39 milhões de t), dados da União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica).
Na segunda quinzena de dezembro, 100 unidades operaram na região Centro-Sul (85 com processamento de cana, 8 de milho e 7 flex), sendo que no mesmo período do ano anterior eram apenas 49. No entanto, ao término de 2023, a maior parte das usinas concluíram as operações. Desse total, mais 81 unidades encerraram a moagem, totalizando 246 unidades.
Olhando para a qualidade da matéria-prima, o ATR (Açúcares Totais Recuperáveis) foi de 136,93 kg/t nos últimos 15 dias de dezembro, mais uma variação negativa, agora de 4,4% em comparação ao mesmo período do ano anterior (143,17 kg/t). No acumulado da safra, o ATR médio foi de 139,57 kg/t (-1,1% frente 2022/23).
Para o mix de produção acumulado da safra, pode-se observar um favorecimento significativo da cana destinada à produção de açúcar, estando em 49,1% (era 46,0% no ciclo anterior), enquanto o etanol perdeu 3,1%, estando agora em 50,9% (era 54,0%).
Já com relação ao mercado de CBios (Créditos de descarbonização), dados B3 até o dia 9 de janeiro indicaram a emissão de 34,18 milhões de títulos ao longo de 2023. Além disso, em 2024, 739 mil créditos já foram emitidos. A parte obrigada do programa RenovaBio possui em torno de 29,82 milhões de créditos.
Entre abril e dezembro, a produtividade da safra 2023/24 de cana-de-açúcar na região Centro-Sul alcançou a maior média em 15 anos: 87,6 toneladas por hectare. A média nas últimas 15 safras é de 77,2 t/ha, segundo dados apresentados pelo Centro de Tecnologia Canavieira (CTC). O resultado é justificado pela ótima condição climática (distribuição das chuvas) durante este ciclo, nas diversas regiões produtoras. Araçatuba (SP), Piracicaba (SP) e São José do Rio Preto (SP), destacam-se pelas maiores altas na produtividade até aqui, de 37,3%, 25,2% e 25,0%, respectivamente.
A corretora hEDGEpoint estima que a colheita de cana-de-açúcar do Brasil na temporada 2024/25, que se inicia em abril, seja menor do que a safra recorde atual, devido ao clima mais seco no Centro-Sul do país. A estimativa é de 620 milhões de t, abaixo da previsão anterior de 640 milhões de t, com uma queda esperada de 6,0% na produtividade agrícola devido à menor umidade do solo. No entanto, a safra atual foi revisada para cima, atingindo 651,5 milhões de t, devido à extensão da moagem e com a expectativa de processar toda a cana disponível.
Para 2024/25, o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) estimou recentemente a moagem de cana-de-açúcar entre 625,0 e 640,0 milhões de t. Considerando um mix de produção que deve superar os 50,0% para o açúcar, o órgão indica uma oferta do adoçante acima das 43,0 milhões de t.
No açúcar, a produção desde o início da safra é de 42,05 milhões de t, sendo 25,4% acima do montante registrado no ciclo passado (33,53 milhões de t). Apenas na segunda metade de dezembro, a produção totalizou 235,76 mil t, representando um aumento ainda mais expressivo, de 35,6%, quando comparado ao mesmo período da safra 2022/23 (173,83 mil t). Dados também são da Unica.
Em dezembro de 2023, o Brasil exportou 3,85 milhões de t de açúcar, crescimento de 75,0% na comparação com o mesmo mês de 2022. Em receita, foram US$ 2,03 bilhões, alta de 113,7%. Com o resultado, os preços médios da t embarcada fecharam o mês em US$ 528,80 (+22,2%). Ao todo, nosso país embarcou 31,38 milhões de t do adoçante em 2023 (+15,1%), arrecadou US$ 15,75 bilhões (+43,0%) e fechou o ano com preços médios de US$ 501,86/t (+24,2%). Os principais destinos do açúcar brasileiro em 2023 foram China (12,1%), Índia (6,1%), Arábia Saudita (5,3%) e Marrocos (5,3%).
Na Índia, o governo manteve a proibição as exportações de açúcar, após rumores de que este status poderia ser alterado no final do ano passado. O país também anunciou um imposto de 50,0% nas exportações de melaço proveniente do refino de açúcar. As preocupações com o clima seguem em destaque: entre junho e setembro, as chuvas de monções foram 6,0% inferiores à média do período, o menor indicador em 5 anos. Nas atualizações da Associação Indiana de Usinas de Açúcar (ISMA), a previsão de oferta em 2023/24 está em 32,5 milhões de t, redução de 11,2% em comparação com o ciclo passado. Na Tailândia, a Thai Sugar Millers Corp estima uma queda ainda maior, de 36,0%, com a produção totalizando 7,0 milhões de t.
Nas atualizações da Associação Indiana de Usinas de Açúcar (ISMA), a previsão de oferta em 2023/24 está em 32,5 milhões de t, redução de 11,2% em comparação com o ciclo passado. Na Tailândia, a Thai Sugar Millers Corp estima uma queda ainda maior, de 36,0%, com a produção totalizando 7,0 milhões de t.
Como resultado dos fatores citados anteriormente, os preços do açúcar voltaram a crescer nas principais bolsas globais. Em Nova York, o contrato de mar/2024 havia fechado em 23,04 centavos de dólar por libra-peso, na data de fechamento da nossa coluna, maior cotação em pouco mais de um mês. Em Londres, o contrato do açúcar branco, também com vencimento em mar/2024, estava em US$ 651,30/t.
No mercado interno, o Indicador do Açúcar Cristal Branco em São Paulo (Cepea/Esalq) estava em R$ 145,66/sc (50kg), queda mensal de 2,8%; ou em US$ 25,55/sc, na cotação em dólar.
No etanol, no acumulado desde 1° de abril até 31 de dezembro, a fabricação alcançou 31,44 bilhões de litros (+14,4%). Desse total, 18,79 bilhões são de etanol hidratado (+18,7%) e 12,66 bilhões de anidro (+8,5%). A produção de etanol proveniente do milho foi 4,61 bilhões de litros, crescimento de 41,7% em relação a 2022/23.
Em dez/23, as vendas de etanol totalizaram 2,88 bilhões de litros (+11,3% ante dez/22). No acumulado da safra 2023/24 a comercialização já atingiu 23,95 bilhões de litros (+6,6%), sendo 14,37 bilhões de litros do etanol hidratado (+10,7%), e 9,58 bilhões do anidro (+1,0%).
No mercado global de petróleo, as cotações do WTI e do Brent estão praticamente nos mesmos níveis registrados há um mês: US$ 73,41/barril e US$ 78,56/barril, respectivamente. Nas últimas semanas, no entanto, os preços registraram leve alta com as novas tensões no Oriente Médio (ataque a navios no Mar Vermelho) e queda nos estoques dos Estados Unidos, com o aumento no consumo energético graças ao período de inverno (maior necessidade de eletricidade para aquecimento das casas).
A Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) divulgou uma estimativa onde indica que a demanda de petróleo deve aumentar 1,8 milhão de barris diários a partir de 2025, em vista do crescimento econômico global mais acelerado. Diante desse contexto, especialistas apontam para a grande chance de que a oferta não acompanhe a demanda, já que a busca de novos depósitos foi reduzida, em vista das preocupações com emissões de CO2. Este cenário poderá gerar alta nos preços e custos em diversas cadeias.
A Agência Internacional de Energia (IEA) estima que a oferta global de biocombustíveis crescerá 30,0% mais rápido até 2028, com o Brasil contribuindo com 40,0% desse aumento. Empresas brasileiras como Be8, Acelen e Raízen estão investindo bilhões em combustíveis renováveis, como diesel verde e querosenes de aviação sustentáveis. Além disso, o Brasil renovou seu recorde anual de capacidade instalada de renováveis em 2023, liderando a América Latina até 2028, com previsão de dobrar a capacidade de geração principalmente em energia solar e eólica.
No etanol, os preços disponibilizados pela SCA eram de R$ 2,420/l para o hidratado e R$ 2,250/l para o anidro, ambos considerando a cidade de Ribeirão Preto (SP) como referência e com impostos já contabilizados.
Valor do ATR: no último mês de 2023, o Açúcar Total Recuperável (ATR) fechou com preço médio de R$ 1,2049/kg, queda de 2,4% em relação a novembro. Segue o histórico de 2023/24: abril estava em R$ 1,2129/kg; maio em R$ 1,1943/kg; junho foi a R$ 1,2223/kg; julho, R$ 1,2153/kg; agosto chegamos a R$ 1,1930/kg; em setembro, R$ 1,2051/kg; outubro, R$ 1,2376/kg; em novembro, R$ 1,2346/kg; e dezembro fechou nos R$ 1,2049/kg. Com o resultado, o acumulado desta safra está em R$ 1,2234/kg. Nossa avaliação é de que termine o ciclo entre R$ 1,20/kg e R$ 1,22/kg.
Para concluir, os cinco principais fatos para acompanhar em fevereiro na cadeia da cana:
- As previsões climáticas impactando a produção de cana nos principais países produtores de cana. Na Índia e na Tailândia, o regime de chuvas segue abaixo da média das últimas safras, o que tem impactado diretamente a produtividade das lavouras. Entretanto, este cenário pode mudar nos próximos meses com a passagem ao La Niña (chances em 60,0% a partir de agosto), com prováveis impactos as lavouras brasileiras.
- No mercado de açúcar, estamos bem mais “sensíveis” a questão de preços com a grande safra açucareira que começa em abril no Brasil, o que reduz o déficit global do adoçante. As cotações seguem em níveis elevados graças as medidas que estão sendo adotadas na Índia e o clima impactando as produções, mas quaisquer alterações pode, novamente, derrubar os preços. Vamos acompanhar.
- Desempenho exportador do setor sucroenergético brasileiro neste início de 2024. Em dezembro, a China (principal comprador do açúcar brasileiro no último ano) reduziu as compras do adoçante brasileiro (-5,0%; 500 mil t), devido à queda na demanda. Historicamente, os volumes embarcados caem neste 1º trimestre, em virtude do período de entressafra e redução nos estoques.
- No etanol, a queda nos preços nos últimos meses pode impulsionar a demanda. O Indicador Semanal do Hidratado (Cepea/Esalq) estava com média de R$ 1,8729/l até o término da 3ª semana de janeiro, 29,6% menor do que janeiro de 2023. Na última avaliação da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), na média dos postos no país, o etanol apresentava paridade de 61,0%, ou seja, favorável na comparação com a gasolina.
- Conflitos no Oriente Médio e seus impactos no petróleo. Apesar de os preços seguirem estáveis até o momento, os desdobramentos no Mar Vermelho podem gerar atrasos de até 2 semanas nas exportações, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE). Algumas empresas, a exemplo da Shell, já suspenderam o trânsito de embarcações na região. É provável que vejamos impactos nos preços nos próximos dias.
Marcos Fava Neves é professor Titular (em tempo parcial) das Faculdades de Administração da USP (Ribeirão Preto – SP) da FGV (São Paulo – SP) e da Harven Agribusiness Scholl (Ribeirão Preto – SP). É especialista em Planejamento Estratégico do Agronegócio. Confira textos e outros materiais em DoutorAgro.com e veja os vídeos no Youtube (Marcos Fava Neves).
Vinícius Cambaúva é associado na Markestrat Group, mestrando em Administração pela FEA-RP/USP e Instrutor “In Company” na Harven Agribusiness School. É especialista em comunicação estratégica no agro.
Beatriz Papa Casagrande é consultora na Markestrat Group, aluna de mestrado em Administração de Organizações na FEA-RP/USP e especialista em inteligência de mercado para o agronegócio.