Demanda do Hidratado Cresce e Açúcar Segue com Preços Elevados
Reflexões dos fatos e números da cana em janeiro/fevereiro e o que acompanhar em março
Prof. Dr. Marcos Fava Neves, Vinicius Cambaúva e Beatriz Papa Casagrande
Na cana, desde o início da safra 2023/24, a moagem atingiu 646,1 mi de t (+18,9%), frente as 543,1 mi de t alcançadas no mesmo período da temporada anterior, segundo dados da Unica (União da Indústria de Cana-de-açúcar). Apenas na segunda quinzena de janeiro foram moídas 714,0 mil t, um total 132,3% maior do que o observado nos mesmos 15 dias de 2023 (307,3 mil t).
Somente 21 unidades ainda estavam em operação até o final do primeiro mês do ano na região Centro-Sul, sendo 6 com processamento de cana, 7 de milho e 8 flex. No ciclo anterior, esse total era de 13 usinas. No acumulado do ano até 1º de fevereiro, 249 unidades já terminaram o processamento.
A qualidade da matéria-prima, ou seja, o valor do ATR (Açúcares Totais Recuperáveis) foi de 139,54 kg/t desde o início da safra até o final de janeiro, o que configura uma redução de 1,1% na comparação com o mesmo período do último ciclo.
Para o mix de produção acumulado da safra, o favorecimento da cana destinada à produção de açúcar obteve um ganho percentual de 3,1% p.p. entre safras, estando em 49,0% na temporada atual (era 46,0% no ciclo anterior), enquanto isso o etanol está em 51,0% (era 54,1%).
Olhando para o mercado de CBios (Créditos de descarbonização), dados da B3 até o dia 9 de fevereiro indicam a emissão de 4,07 mi de créditos em 2024. A parte obrigada do programa RenovaBio possui atualmente 37,84 mi de créditos de descarbonização, excedendo a meta estabelecida para o ano de 2023, que era de 37,47 mi de CBios. O prazo para cumprir essa meta se encerra em 31 de março.
No açúcar, desde 1º de abril, a fabricação totaliza 42,13 mi de t do adoçante, representando um aumento de 25,5% em comparação com as 33,56 mi de t do ciclo anterior, de acordo com dados também da Unica.
Em janeiro de 2024, o Brasil exportou 3,2 mi de t (+58,1%), um volume recorde para o mês. Esse resultado, aliado a um dos preços mais altos dos últimos 7 anos, representou uma receita também recorde de US$ 1,69 bilhão, alta de 88,6% em relação ao mesmo mês de 2023. Assim, o preço médio da t ficou em US$ 528,00 (+19,3%). A Índia, apesar de ser a segunda maior produtora de cana-de-açúcar, foi a maior importadora do açúcar brasileiro no primeiro mês deste ano, tendo comprado US$ 157,24 mi.
Segundo a consultoria hEDGEpoint, a Índia só deve retomar suas exportações de açúcar na safra 2024/25 com a somatória de diversos fatores, que incluem não desviar mais cana-de-açúcar para a produção de etanol, a construção de estoques suficientes e uma recuperação na produção de açúcar do país. Mesmo assim, as exportações não devem atingir os níveis recordes anteriores. Com isso, o foco está no clima no Centro-Sul do Brasil, uma vez que a volta do fenômeno La Niña pode causar grandes variações nos preços devido às chuvas dispersas na região.
Os preços do açúcar bruto devem aumentar cerca de 20,0% em 2024, atingindo 24,5 centavos de dólar por libra-peso, de acordo com uma pesquisa da Reuters. É esperado um déficit global na próxima temporada, com produção menor na Índia compensada por uma produção forte no Centro-Sul do Brasil. A produção de açúcar no Brasil é projetada para 42,1 mi de t na safra 2024/25, com as usinas favorecendo a produção de açúcar em vez de etanol. Espera-se que os preços do açúcar branco alcancem US$ 700/t até o final do ano, um aumento de 6,0% em relação a 2023.
Segundo estimativas da Archer, 72,0% do açúcar a ser exportado na safra 2024/25 já foram fixados até o final de janeiro, 8 pontos percentuais acima dos 64,0% no mesmo período do ano passado. Estima-se que os embarques do adoçante fiquem em torno de 26 mi de t. Considerando o volume já fixado, os preços médios estão em 22,20 cts/lp ou R$ 2.516/t (FOB Santos).
E mesmo com as recentes chuvas que voltaram a região Centro-Sul nas últimas semanas, aliviando as preocupações relacionadas a possíveis impactos da seca nos canaviais brasileiros, os preços do açúcar voltaram a crescer nos últimos dias. No fechamento de nossa coluna, o contrato de mar/2024 em Nova York estava em 23,37 centavos de dólar por libra-peso; e o de mai/2024 em 22,74 cts/lp. Em Londres, os contratos de mar/2024 e mai/2024 estavam em US$ 658,70/t e US$ 644,60/t.
No mercado interno, o Cristal Branco (São Paulo), divulgado pelo Cepea/Esalq, estava em R$ 147,75/sc (50kg) na data de fechamento da nossa coluna, 1,2% superior; ou em US$ 29,78/sc na cotação dolarizada.
No etanol, desde o início do atual ciclo agrícola até 1º de fevereiro, a fabricação total de biocombustível atingiu 32,11 bilhões de litros (+15,1%). Destes, 19,23 bilhões de litros correspondem ao etanol hidratado (+ 20,0%), enquanto 12,88 bilhões de litros são de etanol anidro (+8,3%). A produção de etanol de milho no acumulado da safra alcançou 5,17 bilhões de litros, um avanço de 42,0% em comparação com o mesmo período do ano passado.
Em janeiro de 2024, as vendas de etanol atingiram 3,00 bilhões de litros (+38,2%). Esse crescimento representou o maior volume comercializado desde outubro de 2020. O etanol anidro registrou vendas de 1,11 bilhão de litros (+1,3%), enquanto o etanol hidratado teve vendas de 1,89 bilhão de litros (+75,5%). No acumulado da safra 2023/24, as vendas de etanol totalizam 26,95 bilhões de litros (+9,4%), sendo 16,27 bilhões de litros de etanol hidratado (+15,7%), e 10,68 bilhões de litros do anidro (+1,0%).
Com o mercado apreensivo com a situação no Oriente Médio e a previsão de possível recuperação no crescimento da economia dos Estados Unidos, os preços do Petróleo voltaram a subir nesse mês. Em 20 de fevereiro, o WTI Crude era negociado em US$ 79,46/barril, alta de 6,2% na comparação com o mês anterior (US$ 74,76/barril). Já o Brent estava em US$ 82,62/barril, crescimento de 6,8% em 30 dias (US$ 79,60/barril). Mesmo com as recentes altas, a Petrobras afirmou que não deve alterar os preços da gasolina no momento.
Dados disponibilizados pela SCA apontam que os preços do etanol hidratado (já com impostos) estavam em R$ 2,620/l no dia 20/02 na cidade de Ribeirão Preto (SP). Já o anidro estava em R$ 2,530/l.
Valor do ATR: em janeiro de 2024, o Açúcar Total Recuperável (ATR) fechou o mês em R$ 1,1508/kg, segundo o Consecana (Conselho dos Produtores e Indústria da Cana), queda mensal de 4,5%. O histórico da safra atual é apresentado na sequência: abril começamos com R$ 1,2129/kg; maio fomos a R$ 1,1943/kg; em junho subimos para R$ 1,2223/kg; julho, R$ 1,2153/kg; agosto foi a R$ 1,1930/kg; em setembro, R$ 1,2051/kg; outubro, R$ 1,2376/kg; em novembro ficou em R$ 1,2346/kg; dezembro, R$ 1,2049/kg; e em janeiro, caímos para R$ 1,1508/kg. No acumulado da safra, o indicador está em R$ 1,2173/kg. Nossa sugestão é de que termine o ciclo atual ao redor de R$ 1,20/kg.
Para concluir, os cinco principais fatos para acompanhar em março na cadeia da cana:
- Clima sobre as lavouras brasileiras. Após um período de estiagem na região Centro-Sul, as chuvas voltaram à região e a distribuição de pluviosidade tem sido uniforme. Ainda assim, algumas estimativas já reveem para baixo a moagem em 2024/25, a exemplo da Safras & Mercado que estima agora 650 mi de t (a previsão anterior previa 670 mi de t). O aumento na probabilidade de La Niña também já deixa o setor em alerta pensando no 2º semestre e ciclo futuro.
- Acompanhar o consumo interno do etanol, especialmente o hidratado, que voltou a apresentar tendência de crescimento depois de um período mais lento; em janeiro, as vendas foram as maiores desde outubro de 2019, totalizando 2,8 bi de litros. Os preços do hidratado tem apresentado paridade que favorece a escolha do biocombustível vis-à-vis a gasolina (61,7% na comparação com a gasolina do tipo C).
- Avaliar diariamente as atualizações dos conflitos no Oriente Médio e os possíveis impactos na questão logística e de combustíveis. O petróleo tem se valorizado nos últimos dias, o que pode alterar os preços da gasolina no mercado interno, embora a política do governo não indique este movimento.
- No açúcar, acompanhar os movimentos da Índia em relação as políticas de destinação da cana para o etanol, bem como as restrições as exportações. No mês passado houve rumores de possíveis mudanças, mas ao que parece, elas podem acontecer apenas no próximo ciclo.
- Por fim, lembrar que março antecede o início da safra 2024/25, que oficialmente começa em 1º de abril. Vamos observar como as usinas estão se preparando, suas estimativas e perspectivas para o presente ciclo, lembrando que o início das operações é determinante para que as usinas acessam a matéria-prima no momento ideal, sem gerar atrasos ou perdas por questões climáticas.
Marcos Fava Neves é professor Titular (em tempo parcial) das Faculdades de Administração da USP (Ribeirão Preto – SP) da FGV (São Paulo – SP) e da Harven Agribusiness Scholl (Ribeirão Preto – SP). É especialista em Planejamento Estratégico do Agronegócio. Confira textos e outros materiais em DoutorAgro.com e veja os vídeos no Youtube (Marcos Fava Neves).
Vinícius Cambaúva é associado na Markestrat Group, mestrando em Administração pela FEA-RP/USP e Instrutor “In Company” na Harven Agribusiness School. É especialista em comunicação estratégica no agro.
Beatriz Papa Casagrande é consultora na Markestrat Group, aluna de mestrado em Administração de Organizações na FEA-RP/USP e especialista em inteligência de mercado para o agronegócio.