Mistura de 30% Entra em Vigor e Aumenta Demanda no Etanol
Reflexões dos fatos e números do agro em junho/julho e o que acompanhar em agosto
Prof. Dr. Marcos Fava Neves, Vinicius Cambaúva, Beatriz Papa Casagrande e Rafael Barros Rosalino
Na cana, na 2ª quinzena de junho foram processadas 42,7 mi de t de cana-de-açúcar, volume 12,8% inferior ao registrado na mesma quinzena da safra anterior (49,0 mi de t), segundo a Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia). No acumulado desde o início da temporada até 1º de julho, a moagem somou 206,2 mi de t, queda de 14% em relação às 239,9 mi de t processadas no mesmo intervalo da safra 2024/25.
Na última metade de junho, apenas uma nova unidade deu início à moagem, elevando para 257 o total de unidades em operação na região Centro-Sul (ante 259 há um ano). Deste total, 237 são usinas processadoras de cana-de-açúcar, 10 produtoras de etanol a partir do milho e 10 usinas com perfil flex.
Quanto à qualidade da matéria-prima, o Açúcar Total Recuperável (ATR) atingiu 131,53 kg/t na 2ª quinzena de junho, registrando retração de 6,2% em relação ao mesmo período da safra anterior (140,18 kg/t). No acumulado da temporada, o ATR médio é de 122,19 kg/t, uma queda de 4,8% frente ao valor observado no mesmo intervalo de 2024/25.
Em relação a produtividade agrícola, dados do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) indicam que, entre abril e junho, o rendimento agrícola acumulado da safra caiu quase 11% em relação ao mesmo período do ciclo anterior. De acordo com a UNICA, essa redução de produtividade, somada a uma perda de 5% na qualidade da matéria-prima, resultou em uma queda superior a 15% na quantidade total de ATR por ha colhido na região Centro-Sul até o momento.
Os impactos iniciais sobre os setores de açúcar e etanol do Brasil com uma imposição de tarifa extra de 50% pelos Estados Unidos tendem a ser limitados, segundo a Datagro. No caso do açúcar, o custo adicional estimado é de US$ 27,9 mi por ano, afetando principalmente produtores do Norte e Nordeste que exportam dentro da cota tarifária de 150 mil t com isenção. Já para o etanol, com exportações de 310 mi de litros em 2024, a nova tarifa pode gerar um custo extra de até US$ 90,9 mi anuais. Apesar de o setor sucroenergético ocupar apenas 6,6% das exportações agropecuárias brasileiras para os EUA, o impacto é significativo para determinadas regiões e produtos. A disputa ocorre em meio a tensões comerciais entre os países, principalmente pela cobrança de 18% de tarifa pelo Brasil sobre o etanol de fora do Mercosul, frente aos 2,5% aplicados pelos EUA. Negociações para reduzir as tarifas seguem sem avanço.
No açúcar, a produção acumulada até 1º de julho totalizou 12,2 mi de t, queda de 14,2% em relação ao mesmo período da safra anterior (14,3 mi de t). Somente na 2ª quinzena de junho, foram produzidas 2,8 mi de t de açúcar, volume quase 13,0% inferior ao registrado no mesmo intervalo da safra 2024/25.
Em relação a exportação do adoçante, o volume totalizou 3,3 mi de t (+5,2% no comparativo anual), de acordo com a Secretaria de Comércio Exterior (Secex). Enquanto isso, o valor comercializado foi US$ 1,4 bilhão, isto é, 6,5% inferior ao último ciclo, em conjunto com a queda de 11,1% no preço médio (US$ 428,4/t).
Para 2025/26, o Itaú BBA projeta uma recuperação das safras asiáticas, com estimativas de aumento de produção na Índia (+18%), Paquistão (+12%) e Tailândia (+8%), enquanto a União Europeia deve ser a única entre os grandes produtores a registrar queda. No Brasil, é esperada uma moagem de 590 mi de t e leve crescimento da produção de açúcar para 40,8 mi de t, mas o clima úmido pode dificultar a concentração de açúcar. Apesar da pressão nos preços internacionais, muitas usinas já fixaram suas vendas a valores mais elevados, mantendo a tendência de priorização do açúcar, embora essa escolha possa mudar na próxima safra se o cenário de preços persistir.
Em Nova Iorque, o contrato do açúcar para out/25 fechou em 16,37 centavos de dólar por libra-peso em 21/07 (data de fechamento da coluna). Já o contrato de mar/26 ficou em 17,03 cent/lbp. Enquanto isso, no mercado interno, o açúcar cristal branco (base Cepea/Esalq) em São Paulo estava cotado em R$ 121,22/sc (50 kg), retração de 8,0% em relação ao mês passado.
No etanol, a produção acumulada da safra 2025/26 alcançou 9,4 bilhões de litros até 1º de julho, com retração de 14,8% em relação ao ciclo anterior. Deste total, 6,1 bilhões correspondem ao etanol hidratado (-13,8%) e 3,3 bilhões ao anidro (-16,5%). Apenas na 2ª metade de junho, foram produzidos 1,9 bilhão de litros, sendo 1,2 bilhão de hidratado (-17,7%) e 743 mi de anidro (-17,0%).
A produção de etanol a partir do milho mantém tendência de alta e ganhou participação no mix. Na última quinzena de junho, representou 19,5% da produção total de etanol da região Centro-Sul, com 373,6 mi de litros fabricados (+22,6% em relação ao mesmo período da safra anterior). Desde o início da safra, o etanol de milho acumula 2,2 bilhões de litros, crescimento de 22,1% no comparativo anual.
As vendas de etanol em junho somaram 2,8 bilhões de litros, com recuo de 3,6% frente ao mesmo mês da safra passada. Do total, 1,8 bilhão foram de hidratado (-4,6%) e 1 bilhão de anidro (-1,7%). No mercado interno, a comercialização de hidratado alcançou 1,7 bilhão de litros, queda de 6,2% na comparação anual.
A competitividade do etanol hidratado segue favorecendo o consumo doméstico. Segundo levantamento da ANP entre os dias 29/06 e 05/07, o biocombustível apresentou paridade inferior a 70% da gasolina em mais da metade dos municípios pesquisados, com destaque para Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Paraná, onde todas as cidades registraram preços abaixo da paridade técnica. A média nacional de paridade ficou em 66,8%, reforçando o etanol como alternativa econômica e ambientalmente vantajosa.
O etanol anidro, por sua vez, deve ganhar tração nas próximas quinzenas com a entrada em vigor do E30, conforme expectativa do setor. Em junho, as vendas totalizaram 981,6 mi de litros (-0,7%). No acumulado da safra até 1º de julho, as vendas totais de etanol pelas unidades do Centro-Sul somaram 8,5 bilhões de litros (-2,6%), sendo 5,5 bilhões de hidratado (-5,1%) e 3,1 bilhões de anidro (-2,2%).
No mercado de CBios, até 11/07 foram emitidos 22,6 mi de créditos de descarbonização em 2025 pelos produtores de biocombustíveis. A quantidade disponível para negociação entre partes obrigadas, não obrigadas e emissores soma 27,5 mi de CBios. Segundo a UNICA, considerando os títulos disponíveis e os já aposentados, cerca de 80% da meta de 2025 do RenovaBio já está tecnicamente coberta.
O início da safra 2025/26 tem sido marcado por baixa produtividade agrícola e clima chuvoso, o que tende a prejudicar a concentração de açúcares na cana e, consequentemente, a eficiência na produção de etanol. Ainda assim, a produção de etanol de milho segue em trajetória crescente, com expansão da capacidade instalada e aumento da representatividade no mix total. O relatório Visão Agro do Itaú BBA destaca que o cenário de preços continua influenciando fortemente as decisões de produção: o prêmio do açúcar sobre o etanol, embora atualmente abaixo do nível ideal para maximização, ainda é compensado por contratos antecipados firmados a preços mais altos, o que sustenta o foco das usinas na produção açucareira. Caso os preços internacionais do açúcar permaneçam baixos por mais tempo, uma parte da capacidade poderá ser redirecionada ao etanol a partir da safra 2026/27.
No informativo de etanol divulgado pela SCA Brasil no dia 21/07, os preços do biocombustível estavam em R$ 3,1/l para o hidratado e em R$ 3,1/l para o anidro, ambos os valores estáveis na variação semanal, considerando a praça de Ribeirão Preto (SP) como referência e já incluindo os impostos.
Valor do ATR: em abril, maio e junho, primeiros meses da safra 2025/26, não houve atualização para os preços do Açúcar Total Recuperável (ATR) pelo Consecana. A safra 2024/25 fechou mar/2025 com valor mensal de R$ 1,2478/kg, e o acumulado em R$ 1,1926/kg. Enquanto a nova metodologia não é finalizada, a UNICA divulgou nota onde precifica o preço médio do ATR em R$ 1,1710/kg em junho. No mesmo caminho, a ORPLANA se posicionou e informou que o valor justo na sua avaliação seria de R$ 1,2795/kg. Vamos torcer para que os lados se alinhem brevemente e tenhamos um novo método para ser utilizado. Nossa expectativa é de que, com menos cana e clima favorável, o ATR feche o ciclo atual entre R$ 1,18/kg a R$ 1,20/kg.
Para concluir, os cinco principais fatos para acompanhar em agosto na cadeia da cana:
- Monitorar a produtividade agrícola e seus impactos no mix de produção. As primeiras semanas da safra 2025/26 têm indicado produtividade abaixo do esperado. Apesar do mix atual projetado em 52% para açúcar, o clima mais chuvoso pode dificultar a concentração de ATR na cana, o que exigirá atenção redobrada e possíveis ajustes no direcionamento entre açúcar e etanol ao longo da safra.
- Acompanhar os efeitos da recuperação da oferta global de açúcar. A recuperação das safras asiáticas com destaque para Índia, Paquistão e Tailândia, deve pressionar ainda mais os preços internacionais do açúcar. Com um superávit global projetado de 2,7 mi de t em 2025/26, as usinas poderão avaliar estratégias de hedge e armazenamento, já que os preços futuros mais atrativos e volatilidade cambial podem abrir oportunidades para quem possui infraestrutura para estocagem.
- A partir de 1º de agosto entra em vigor o aumento da mistura de etanol anidro na gasolina de 27% para 30%, o que deve impulsionar a demanda interna. Vamos observar até que ponto o consumidor continuará optando pelo etanol e como o mercado reagirá a oscilações nos preços da gasolina e petróleo.
- Ficar de olho nos desdobramentos do tarifaço dos EUA sobre produtos brasileiros. A sobretaxa de 50%, ainda que com impacto direto limitado no curto prazo, pode afetar os produtores das regiões Norte e Nordeste, que exportam dentro da cota tarifária isenta. É necessário avaliar se haverá contrapartidas ou ajustes na tarifa de importação brasileira sobre o etanol norte-americano, atualmente em 18%.
- Seguir acompanhando a regulamentação do RenovaBio e à movimentação do mercado de CBios. O avanço do processo de normatização do PL dos CBios traz a expectativa de maior rigor regulatório e penalidades severas às distribuidoras inadimplentes. A regularização do mercado poderá estimular compras retroativas de CBios ao longo dos próximos meses.
Marcos Fava Neves é professor Titular (em tempo parcial) da Faculdade de Administração da USP (Ribeirão Preto – SP) e da Harven Agribusiness School (Ribeirão Preto – SP). Sócio da Markestrat Group. É especialista em Planejamento Estratégico do Agronegócio. Confira textos e outros materiais em DoutorAgro.com e veja os vídeos no Youtube (Marcos Fava Neves).
Vinícius Cambaúva é associado na Markestrat Group e professor na Harven Agribusiness School, em Ribeirão Preto – SP. Engenheiro Agrônomo pela FCAV/UNESP, mestre e doutorando em Administração pela FEA-RP/USP. É especialista em comunicação estratégica no agro.
Beatriz Papa Casagrande é associada na Markestrat Group, engenheira agrônoma pela ESALQ/USP e mestra em Administração na FEA-RP/USP. É especialista em inteligência de mercado para o agronegócio.
Rafael Barros Rosalino é consultor na Markestrat Group, médico veterinário pela FCAV/UNESP. É especialista em inteligência de mercado para o agronegócio.
